quinta-feira, 18 de junho de 2009

Loucura: a linha torta

Nada mais interessante do que os sentimentos humanos. Falei sobre o medo, o ódio, a saudade. Delicioso mesmo é pensar sobre LOUCURA! Qual será a definição de coisa tão louca? Como julgar alguém dessa maneira?
Hoje, conversando a respeito de literatura e clássicos com meus alunos (ahhh, como eu gosto de falar sobre literatura...) relembrei personagens que às vezes ficam guardadinhos na minha cabeça: Dom Quixote, Hamlet, Crusoé, Alienista... é fantástico como esses personagens, apesar de serem muito antigos, parecem fazer parte da minha própria narrativa. E quando os relembro, os faço renascer e misturarem-se com os personagens da minha própria história. (Um exemplo é o Guilherme. Bem vi que hoje você me olhava, enquanto eu falava sobre esse assunto, com olhos curiosos e interessados. Tá bom, eu sei que você é um excelente aluno, mas é difícil te agradar! Acho que hoje eu consegui! Fiquei feliz!) A impressão é que, a qualquer momento, Hamlet poderia entrar na sala e contar um pouco sobre sua "loucura", ou até mesmo eu poderia receber uma carta bem adjetivada de Dom Quixote, inventando tudo aquilo que uma pessoa "normal" nem consideraria.
Mas o que será a loucura?? Fazer o que não é feito pela maioria, pensar diferente, alguma doença?
Não pude deixar de lembrar de um de meus poemas prediletos: "Poema em linha reta". Fernando Pessoa criou heterônimos, conversava consigo mesmo, buscava um sentido no não entendimento, era homossexual e bebia muito. Ele era louco? Posso dizer isso?
Enfim, pensava a respeito do poema de Pessoa, pois disse que para sabermos se algum personagem é considerado louco, deveríamos refletir sobre o que pensaríamos sobre ele. Eu me insiro muitas vezes no poema, ou seja, estou na linha torta dos vencedores.
Como disse, certa vez, um amigo, em alguns momentos me sinto "loser". As pessoas são sempre tão corretas, tão certas, moralistas. Tudo caminha bem, como eu não consigo? Será que a loucura está dentro de mim??
São perguntas, apenas. Ecos de emoções que esperam um alento, um conforto, reconhecimento. Perceber que não há regras e nem modelos, cada um deve ser o que é, e todo mundo erra sim. E é vil, bem vil às vezes. E pior, covarde para assumir. Sou fraca de vez em quando. Sou vil, mesquinha, egoísta e mimada. Não participo de um conto de fadas, ainda bem. Quero estar em companhia de Dorian Gray, Mário de Sá-Carneiro, Clarice Lispector, GH, Álvaro de Campos, Jenny, Natália, Mia Couto... Assim me sinto menos "gauche" na vida, me aproximo de Carlos e vivo minha própria narrativa (sem a certeza do final feliz... que bom!)


Ahh, eis o poema:
Poema em linha reta
Fernando Pessoa(Álvaro de Campos)


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Um comentário:

Hamilton disse...

Vôcê já leu um livro doooooo... (autor inglês, famoso, o que escreveu David Copperfield, não o mágico, o menino), pois é, esse autor, o qual não me lembro do nome, escreveu um livro que contava a história de um cara que era normal, mas sabia que era louco, pois todos na sua família eram loucos, e esse cara ficava ansioso, com medo de virar louco também. Adivinha o que aconteceu? O maluco ficou louco. Li esse livro na época da faculdade; mas sabe de uma coisa? às vezes eu também fico com medo...